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Marco Bonito
Professor na UNIPAMPA

Comunicação também precisa de acessibilidade

Ao longo da história, o conceito de deficiência sofreu inúmeras transformações, principalmente a partir de debates fomentados pela própria sociedade. Passando por visões religiosas, médicas e sociais, atualmente as pessoas com deficiência são tidas como aquelas que, devido a barreiras impostas pelo meio em que vivem, são impedidas de participar plenamente na sociedade, sofrendo limitações, portanto, à sua própria condição de cidadãos. Dessa forma, a deficiência não é considerada apenas como um limite de cada pessoa, com consequências na sua funcionalidade, mas também leva em conta as barreiras que existem no espaço físico, nos transportes, nos serviços, nas relações interpessoais e, inclusive, na comunicação.

Com o intuito de diminuir ou eliminar todas essas barreiras impostas pelo meio que impedem o desenvolvimento pleno das pessoas com deficiência, foi promulgada, em julho de 2015, a Lei nº 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da PCD. “O Estatuto foi feito a partir de uma construção de muitos anos, que vem desde o final da segunda guerra mundial e que ganha forças no Brasil a partir dos anos 80 e se estende até 2015, quando ele é publicado”, relata Marco Bonito, professor da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), doutor em Ciências da Comunicação, e que há muitos anos pesquisa sobre acessibilidade e comunicação.

No entanto, para Bonito, o Estatuto da PCD, embora recente, não é cumprido praticamente na sua totalidade, fazendo parte das chamadas “leis que não pegam no Brasil”. Segundo o professor, as razões para o não cumprimento do Estatuto são sociopolíticas. “O cumprimento do que rege o Estatuto deveria ser uma prerrogativa do Estado. O Estado pune, fiscaliza e cobra ações na forma da lei. A partir do posicionamento do Estado, isso se reflete para o cotidiano da sociedade”, afirma Bonito. Porém, esse mesmo Estado é o maior descumpridor do Estatuto, fazendo com que, embora ele tenha sido construído a partir de lutas históricas, as situações de desrespeito às pessoas com deficiência continuem.

De acordo com o artigo 2º dessa legislação, é considerada pessoa com deficiência aquela que apresenta um impedimento a longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com os diversos tipos de barreiras, pode obstaculizar a sua participação plena e efetiva na sociedade em iguais condições das demais pessoas. Dentre as barreiras impostas, são consideradas barreiras na comunicação e na informação qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação.

Já por acessibilidade, segundo o artigo 3º da lei, entende-se a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. Já de acordo com o Minimanual de Acessibilidade Comunicacional, produzido e divulgado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), “acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação. Significa incluir a pessoa com deficiência na participação de atividades como o uso de produtos, serviços e informações. Garantir a acessibilidade é eliminar todas as barreiras existentes que impeçam a comunicação de um indivíduo”.

Ao se pensar a comunicação no âmbito do Estatuto da PCD, primeiramente é preciso compreendê-la a partir de um sistema complexo de circulação de mensagens, indo além de uma simples troca linear de informações entre emissor e receptor. Segundo Bonito, “no âmbito da comunicação, as suas idiossincrasias específicas são muito distintas, já que, quando se trata de comunicar, vários meios recirculam a mensagem do emissor até ela chegar ao receptor. Esse receptor, por sua vez, faz todo um entendimento sobre o que está sendo comunicado a partir das suas experiências pessoais. Cada pessoa vai entender a mensagem a partir do seu repertório cultural. Assim, a mesma mensagem não será entendida da mesma forma para todos”.

Para Marco, as barreiras informativas impedem que as pessoas com deficiência possam fazer uso da comunicação de forma autônoma e plena. “A pessoa tem que ter autonomia e plenitude para consumir a informação, independente do seu grau de capacidade cultural”, alerta o professor, exemplificando com a abertura das paraolimpíadas, que, segundo ele, é um evento assistido principalmente por pessoas que se interessam pelo tema. Segundo Bonito, as maiores emissoras de televisão que transmitem o evento não apresentam acessibilidade comunicativa. “Não tinha janela de libras, não tinha legenda, não tinha audiodescrição. Trata-se de um problema de ordem moral”, afirma Bonito, já que as emissoras que deveriam ser parâmetro, mesmo conhecendo a legislação, não o fazem por ser uma política estratégica de comunicação da própria empresa. Para Marco, o fato de não cumprir a lei deveria ser motivo para essas emissoras perderem a concessão pública que recebem. 

A essência do conceito de acessibilidade comunicativa, termo desenvolvido por Marco Bonito durante a sua pesquisa de doutoramento, já que o termo acessibilidade comunicacional era utilizado em pesquisas na área da educação, arquitetura, informática, dentre outras, como apenas um conjunto de técnicas relativas à inclusão da sociedade nos diversos âmbitos, reside no fato de que as pessoas precisam ter acesso às informações por todos os meios de comunicação (rádios, tevês, jornais, sites, revistas impressas, dentre outros), sem qualquer tipo de barreira informativa, porque essas barreiras trazem prejuízos para a construção da sua cidadania comunicativa. A pesquisa do professor Marco tinha por objetivo conhecer sobre a acessibilidade nos meios de comunicação e como isso poderia transformar a vida das pessoas dando mais acesso a informações e também fazendo com que elas pudessem construir a sua própria cidadania a partir dessas informações, o que, segundo Marco, não existia à época. 

Diferentemente da acessibilidade comunicacional, a qual se configura em conjunto de técnicas e que hoje pode ser garantida pelos recursos tecnológicos, “a acessibilidade comunicativa envolve uma série de fatores, como o respeito aos direitos humanos das pessoas com deficiência e à legislação brasileira que versa sobre a questão da obrigatoriedade de se fazer produtos com conteúdo acessível. Há um conjunto maior do que simples técnicas a serem aplicadas”, destaca Bonito. Assim, em síntese a acessibilidade comunicativa propõe que a acessibilidade nos meios de comunicação tenha como propósito o respeito aos direitos humanos e à promoção da cidadania das pessoas com deficiência.

Ao ser questionado sobre a existência de algum veículo de comunicação que possa ser considerado hoje um exemplo de acessibilidade comunicativa, Marco Bonito cita o Núcleo de Acessibilidade Flicts, da TV Cultura. Inaugurado em dezembro de 2019, esse Núcleo que recebeu o nome em homenagem ao livro de autoria do escritor Ziraldo, o qual trata sobre respeito e autoaceitação, tem como objetivo planejar uma programação 100% acessível, a partir da noção de que acessibilidade é um direito. Um dos diferenciais de metodologia de funcionamento do Flicts é contar com a participação de pessoas com deficiência entre os seus profissionais.

Para que a acessibilidade comunicativa seja uma realidade, é preciso, segundo Marco Bonito, uma mudança cultural, a qual somente ocorrerá a partir de algumas ações pontuais. Destaca-se, dentre elas, a necessidade de dar visibilidade ao problema. A título de exemplo, Marco destaca o uso por alguns veículos de comunicação da hashtag para todos ver. “A maioria dos jornais coloca hashtag para todos ver e coloca a descrição na imagem. O fato de fazerem isso já traz o problema à tona e faz com que as pessoas se questionem. É uma questão cultural que vai levar muito tempo para ser modificada”, afirma Bonito. Na opinião do professor, esse uso dá visibilidade ao problema da falta de acessibilidade comunicativa para aquelas pessoas que enxergam. “Quem enxerga é que precisa ver. Quem escuta é que precisa saber”, destaca o professor. Além disso, é preciso tentar tornar os produtos o mais acessível possível, a partir dos recursos disponibilizados pela tecnologia. Por fim, é preciso incluir a acessibilidade não apenas ao final de um projeto de comunicação, por exemplo, mas desde o começo. 

O mundo pode ser transformado a partir da comunicação, já que por ela não só são transmitidas atitudes, percepções e comportamentos, como também é possível refletir acerca deles, modificando padrões enquanto sociedade para a construção de um local melhor para se viver. Nesse contexto, a comunicação que pretende respeitar as diferenças e que se intitula inclusiva deve assumir o compromisso de representar as pessoas da forma como elas desejam se ver representadas, apresentando seus conteúdos de forma acessível a todes.

Cursos de jornalismo não formam jornalistas preparados para produzir comunicação acessível

 

Marco Bonito, que foi professor da jornalista Cristiely (2010-211), deficiente visual congênita, conta que, graças a ela, direcionou a sua pesquisa de doutorado para a acessibilidade comunicativa. O professor relata que ministrava a disciplina de audiovisual no curso de jornalismo da UNIPAMPA e que se deparou com a aluna cega. Ao ser abordado por ela, disse que iria tornar suas aulas acessíveis, embora não tivesse formação nem conhecimento para tanto. Após conversar com Cristielly, juntos conseguiram modificar o formato da disciplina, tornando-a acessível e, ao final, a turma produziu uma revista acessível, o que continuou a ser feito por turmas posteriores.

Fotografia ao alcance dos olhos de todos

 

A professora Janaína Gomes, que pesquisa e atua nas área de fotografia e acessibilidade e acessibilidade nas mídias digitais, foi pioneira em adaptar a disciplina de Fotojornalismo, no ano de 2012, ministrada por ela no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), campus em Frederico Westphalen, graças a uma aluna cega que estava matriculada na disciplina, Rúbia Steffens, a qual hoje é jornalista e estudante de Sistemas de Informação também na UFSM. 

Segundo a professora Janaína, à época havia apenas alguns projetos de referência no Brasil, mas direcionados exclusivamente a pessoas com baixa visão ou que se tornaram cegas ao longo da vida. Como Rúbia era cega congênita, ou seja, de nascimento, esses projetos não atendiam plenamente às necessidades da aluna. “Não havia nada pronto, mas a UFSM abraçou a causa. Houve investimento público na formação da aluna. O Núcleo de Acessibilidade apoiou. Mas o professor precisou indicar o caminho”, conta Gomes. Janaína também recebeu apoio do jornalista e fotógrafo com baixa visão Teco Barbero, que ministrou a palestra “Fotografando os Sentidos”, na UFSM/FW, além do professor Francisco de Lima, que é formado em audiodescrição pela Universidade Federal de Pernambuco. “Teco foi fundamental para o avanço da confecção do material didático que desenvolvi. Com o professor Francisco pude compreender a psicofísica – área da ciência que estuda as relações entre as sensações subjetivas e os estímulos físicos, estabelecendo relações entre eles – como recurso para explicar o que eu e Rúbia estávamos desenvolvendo”, esclarece a docente.

A adaptação da disciplina de Fotojornalismo se tornou um projeto, que iniciou em 2012, quando a aluna Rúbia ingressou no curso, e continua atualmente, tornando-se referência nacional, dando suporte a cursos de comunicação em que a disciplina de Fotografia faz parte da grade curricular. O foco do projeto foi o desenvolvimento de materiais didático-pedagógicos acessíveis, feitos com materiais disponíveis no dia a dia, como caixas de papelão e canos de PVC, para que alunos com deficiência visual possam fotografar. “Adaptação de material didático era para tudo. Não específico para fotografia. Impressões em Braille. Artigos impressos em Libras. Em fotografia, o trabalho foi artesanal, experimental. Rúbia aprovava e aprimorava”, relata a professora Janaína. Assim, o conceito clássico de fotografia como a arte de escrever na luz não pode ser considerado para pessoas cegas, já que, diferente dos que enxergam, elas não são dependentes da luz, explica Gomes, sendo necessária a exploração dos sentidos tátil e auditivo.  

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Janaína Gomes
Porfessora na
UFSM-FW

Fonte: Acervo pessoal

Descrição da imagem: duas mulheres em uma sala de paredes brancas, manuseando um instrumento de fitas verdes e cano de pvc marrom, uma, branca de cabelo castanho preso num coque, vestindo uma camiseta estampada, outra, mais a frente, também branca de cabelo preto liso solto, usa um óculos escuro e uma camiseta azul escura. Ao fundo se encontram duas pessoas, um homem e uma mulher

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Samara Wobeto
Jornalista da Revista Arco

Para Bonito, no geral os cursos de Jornalismo não preparam os futuros jornalistas para a noção de acessibilidade comunicativa. “Não há um projeto para todos os meios. O curso de jornalismo não forma audiodescritores nem intérpretes de libras. É preciso fazer outros cursos. O curso de Jornalismo na UNIPAMPA, por exemplo, oferece apenas uma introdução. O Jornalista não tem essa habilidade pronta. Ele precisa consultar profissionais com formação específica e também  as próprias pessoas com deficiência”, conclui Bonito.

Samara Wobeto, estudante do curso de Jornalismo da UFSM e editora de produção na Revista Arco, pesquisa há três anos sobre o tema acessibilidade na comunicação, com foco no jornalismo. Segundo Samara Wobeto, que viu no tema acessibilidade na comunicação uma oportunidade de investigação, “existe pouco estudo específico que reúne todos os elementos para uma comunicação acessível”. Para a estudante, o foco das suas pesquisas no momento não é especificamente a parte técnica, mas sim buscar entender a dinâmica da inserção ou ausência da acessibilidade e o que isso provoca como consequência em termos de jornalismo e em termos de público alvo. “Qual a consequência para as pessoas com deficiência quando uma notícia não é acessível?”, questiona Wobeto.

Segundo Gomes, o lema “nada sobre nós sem nós” deve sempre ser considerado ao se pensar em acessibilidade comunicativa para pessoas com deficiência auditiva e visual. Essa frase surgiu no início do século XIX, nos Estados Unidos, e ganhou o mundo para representar não só o movimento das pessoas com deficiência, mas também de outras minorias sociais. Nesse sentido, “O que pode ser para um, pode não ser para todos”, afirma Janaína, exemplificando com o Braille. Há pessoas com deficiência visual que não conhecem o Braille porque já nasceram no tempo dos leitores de tela. Outras deixam o Braille devido à tecnologia do leitor de tela. É importante, portanto, o diálogo com as pessoas com deficiência.  “O aluno vai ter que dizer o que dá certo para ele”, destaca Gomes.

Nesse contexto, a comunicação ainda não pode ser considerada plenamente acessível, mais em razão de barreiras atitudinais do que tecnológicas. Assim como Bonito, Janaína acredita que a tecnologia avançou muito e, no que depende dela, produz comunicação acessível. Porém, é a atitude das pessoas que impede a acessibilidade comunicacional, enfatiza a professora. Wobeto, que concorda com Gomes e Bonito, afirma que “não adianta ter tecnologia se as pessoas não usam. As redes sociais, como o Instagram, por exemplo, possuem o recurso ‘texto alternativo’, que, embora exista, a maioria das pessoas não utiliza porque não conhece ou não sabe usar”. Segundo ela, citando Karine Segatto, quando um veículo de comunicação não utiliza as tecnologias assistivas para a promoção da acessibilidade é o mesmo que “apresentar uma ‘meia notícia’ ao ‘meio cidadão”, já que o conteúdo visual era parte relevante da notícia ‘inteira’, mas foi cerceado às pessoas com deficiência, desrespeitando seu Direito à Comunicação, tão caro no exercício da cidadania”.

Ao ser questionada sobre a importância de os profissionais da comunicação e da educação praticarem a sua função de forma inclusiva, a professora Janaína afirma que o ensino superior é que precisa avançar, porque a educação básica já pratica a educação inclusiva, estando bem mais à frente se comparada às Universidades. “A educação precisa estar sensível às leis e à acessibilidade em todos os pontos. E a comunicação precisa incluir o altruísmo definitivamente na conversa, pensar nos públicos, chamar esses públicos [pessoas com deficiência visual e auditiva] para perto, fomentar essa interação. O Ensino Superior precisa se abrir a isso, não só seguir as leis. As leis existem”, conclui Gomes.

Por fim, Bonito indica a leitura do Dossiê Temática: Comunicação, acessibilidade e representação de pessoas com deficiência, que foi lançado em dezembro de 2021 pela Revista Culturas Midiáticas e que traz uma série de artigos sobre acessibilidade comunicativa não só para os futuros, mas também para os jornalistas atuantes e para a sociedade em geral.

A acessibilidade comunicativa também necessita de uma linguagem inclusiva

Muitos de nós já vimos por aí palavras escritas de uma forma curiosa, como “todxs”, “amigues” ou “el@s”. Talvez até já tenhamos escutado alguém cumprimentar a “todes” ou dizer “iles” em uma frase quando se referia a um grupo diverso de pessoas. Essas novas formas de linguagem fazem parte de movimentos sociais que estão preocupados em mudar a comunicação de forma a torná-la mais tolerante e inclusiva.

Com o passar do tempo, a linguagem é modificada, acompanhando o contexto social em que está inserida. Nesse sentido, ela passa a ser também uma aliada na modificação de crenças e valores. Assim, a comunicação inclusiva surge como uma ferramenta capaz de transformar a sociedade para além da binariedade e da polarização social entre sexos. Esse termo é usado como um guarda-chuva que reconhece uma série de recursos comunicacionais diferentes daqueles preconizados pela norma culta da língua, que se encontra principalmente registrada nas gramáticas tradicionais. 

A linguagem neutra ou não binária apresenta propostas de alteração do idioma, com mudanças na grafia das palavras, oferecendo opções como “todes, “todxs” e “amig@s”. Essas mudanças são defendidas por ativistas do movimento feminista e LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Interssexo, Assexuais, Panssexuais e outros), que veem na nossa língua uma ferramenta a mais para perpetuar desigualdades. Eles acreditam que essa nova linguagem é capaz de incluir todas as pessoas.

Embora os gramáticos tradicionais apresentem uma certa resistência às mudanças, os modernos, por sua vez, são mais abertos a elas. Para a professora de Língua Portuguesa e doutora em Linguística, Angela Rossi, “a língua é viva e as evoluções acontecem, mesmo com a norma gramatical que, de alguma forma, é presente na nossa sociedade e nos dá a formalidade da linguagem escrita”. Segundo Rossi, a inclusão, em especial no que se refere à gênero, precisa ser debatida, exigindo mudanças na sociedade, perpassando pela linguagem também. “Por acreditar que a linguagem nos permeia e faz parte das nossas interações e nos constrói como sujeitos, essas mudanças inclusivas vão acontecer e essas discussões e fomentações são importantes justamente para serem repensadas as questões de gênero”, reitera Angela. A linguagem inclusiva, portanto, faz parte da própria evolução da sociedade e a sua abertura à pluralidade quando se refere à gênero. 

“Eu uso a linguagem inclusiva, acho importante porque se trata da apropriação popular para algo que é orgânico: a linguagem e de maneira mais complexa a comunicação”, afirma Marco Bonito, doutor em Ciências da Comunicação e professor adjunto da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), que há anos realiza pesquisas envolvendo acessibilidade e comunicação. Para ele, as pessoas com deficiência, seja física ou visual, também são capazes de compreender as mudanças trazidas pela linguagem inclusiva, pois Libras, Braille, legenda ou audiodescrição podem ser perfeitamente adaptados a uma nova linguagem. De acordo com Bonito, “basta que seja explicado e as pessoas passam a entender o todes, elxs e etc.”. 

Defensor Público do estado do Paraná e membro da comunidade LGBTQIAP+, Antônio Vitor Barbosa de Almeida destaca que utilizar @ ou X na forma escrita para tornar a linguagem inclusiva na perspectiva de gênero pode ocasionar alguma forma de exclusão às pessoas com deficiência visual, que utilizam aplicativos de leitura para textos escritos, já que esses softwares não conseguem fazer a descrição de determinados símbolos. A educadora especial Morgana Tissot Boiaski alerta que muitos leitores de tela utilizados pelos deficientes visuais não deixam a leitura fluida do texto por não compreenderem símbolos como @, por exemplo.  

No entanto, para Almeida, as pessoas com surdez não enfrentam esse tipo de dificuldade, pois a Libras acompanha as alterações conforme o tempo e a evolução social. A educadora especial Caroline Lobell concorda com Almeida. Ela explica que em Libras há um sinal apenas para representar o sentido da palavra, que se altera conforme o contexto, e não para representar apenas a palavra isolada em si. Lobell acredita que a linguagem inclusiva engloba os plurais e que de forma alguma é discriminatória em relação às pessoas com deficiência. 

Mesmo diante das dificuldades enfrentadas, deve-se buscar alternativas para que a inclusividade dos demais grupos seja viabilizada nos mecanismos de leitura mencionados por Antônio. “Que busquemos transformações e inclusividade nessas ferramentas até mesmo porque a língua é um produto social. Como toda cultura sofre evoluções. Tanto a língua portuguesa quanto a de sinais são passíveis de adaptação”, afirma o Defensor. Segundo ele, não se justifica uma inclusão com outra exclusão, devendo se buscar critérios cada vez mais inclusivos. “Buscar saídas e não fechar portas”, reitera o Almeida. 

A utilização da linguagem inclusiva, no entanto, nem sempre é aceita de forma tão pacífica. Recentemente, por exemplo, o governador do estado de Santa Catarina, Carlos Moisés, do PSL, proibiu escolas públicas e privadas de utilizar a linguagem inclusiva em documentos oficiais. A regra vale para documentos escolares, provas, grade curricular, planos curriculares, material didático, comunicados e editais de concursos públicos. 

A comunicação de forma inclusiva faz parte da compreensão de que a sociedade em seus diversos aspectos, incluindo o ambiente de trabalho, é composta por pessoas plurais em características e identidades. Trata-se da garantia de respeito, valorização e acolhimento da diversidade humana. E lutar por inclusão também na comunicação é um dever de todes nós.

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Angela Rossi
Professora de língua portuguesa

 

leitura do texto - capítulo 2
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