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Áudio de abertura - Comunicação também precisa de acessibilidade

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Áudio - Comunicação também precisa de acessibilidade
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Caminhos para a acessibilidade

Segundo a mais recente Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2019 por meio de uma parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde, o Brasil possui 17,3 milhões de pessoas com 2 anos ou mais de idade que apresentam algum tipo de deficiência, o que equivale a 8,4% dessa população. A pesquisa ainda revelou que 1,1% ou 2,3 milhões de pessoas apresentam deficiência auditiva. Ainda segundo a pesquisa, entre os brasileiros de 5 a 40 anos de idade com deficiência auditiva, apenas 22,4% conhecem a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

Dentre as mais de 6,878 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência visual, o equivalente a 3,4% da população dentro da faixa etária alcançada pela pesquisa,  está Cristiely Lopes Carvalho. A jovem, natural de Itaqui, cidade localizada na parte oeste do Rio Grande do Sul, vem de uma família simples. Seus pais são primos, e a consanguinidade levou a uma doença congênita que afetou tanto Cris, quanto sua irmã e seu irmão. 

A capital

Desde muito cedo, a família da jovem sentiu na pele a falta de acesso à alfabetização acessível e inclusiva, inexistente na pequena cidade interiorana onde residiam. A grande maioria dos casos de crianças e jovens com algum tipo de deficiência, fosse ela física ou intelectual, eram encaminhados para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), sem contar com nenhuma diferenciação no processo de alfabetização, ou busca por uma aprendizagem mais inclusiva fora dos muros dos centros especializados por parte dos órgãos públicos.

Tentando mudar essa realidade, em 1994, os pais de Cristiely levaram os três filhos para a capital Porto Alegre, onde o ensino em braille já era mais difundido. A família residiu na cidade por nove meses, passando pelo colégio Santa Luzia e pelo centro Louis Braille, onde além da aprendizagem do método, também eram oferecidos serviços como psicoterapia, imprescindíveis para o cuidado não apenas das crianças, mas dos familiares que acompanhavam suas trajetórias. Contudo, a caminhada da família não foi simples, e segundo Cristiely, durante esse processo, o pai e a irmã acabaram caindo em uma tristeza muito profunda, pois o estilo de vida agitado da capital era muito destoante da vida calma e humilde que levavam no interior. Com isso, a mãe de Cris, também professora, aprendeu a técnica braille, e no final do mesmo ano, a família voltou para Itaqui. 

Após conhecerem uma nova realidade, onde o ensino braille não era um tabu, a família buscou com que a prefeitura do município tomasse as providências cabíveis, dado que três crianças em idade escolar não estavam recebendo a educação adequada. Após muita relutância (já que, segundo a fala de Cristiely sobre a prefeitura, “para quê colocar uma sala de aula especializada em braille para apenas três crianças?”) iniciou-se na cidade o atendimento educacional para crianças com deficiência visual. 

Cris conta que sempre foi uma criança “terrível”: arranjava briga com os colegas que a incomodavam, e jamais levava desaforo para casa. E a atitude a acompanhou durante toda sua vida. Desde os sete anos, crescia dentro da jovem a vontade de ser jornalista, e ainda no terceiro ano do ensino médio, passou no vestibular para a Universidade Federal do Pampa. A ida da jovem para São Borja foi um desafio imenso, tanto para os pais, já que os gastos com a universidade teriam que andar lado a lado com o tratamento da irmã de Cris, quanto para a própria moça, que desde o início da jornada sofreu diversos tipos de discriminações.

Preconceitos 

São muitos os episódios de preconceito que Cristiely tem para contar sobre a sua trajetória dentro da Universidade. Um dos momentos mais traumatizantes da sua passagem pela Unipampa, foi quando a sua então professora de fotografia, também diretora na época, fez comentários ofensivos e extremamente preconceituosos para os colegas de Cris, dizendo, segundo a jovem, que a universidade não poderia ter um bom laboratório de telejornalismo, porque os gastos com uma impressora em braille para uma única pessoa eram muito altos.

Essa e outras situações deixaram Cristiely muito abalada, e no quarto semestre, chegou a pensar em desistir. Foi quando alguns professores, incluindo Marco Bonito, vieram para a “salvação” da jovem. Marco foi quem auxiliou Cris no seu trabalho de conclusão do curso, uma análise sobre acessibilidade no site da Zero Hora, o que já era um presságio do seu futuro local de trabalho: após um pequeno período tentando conseguir trabalho no interior e uma breve experiência na assessoria de imprensa, em maio de 2013, Cristiely conseguiu uma vaga dentro da Zero Hora, hoje Gaúcha ZH, maior grupo de comunicação do Rio Grande do Sul.

Para a jornalista, que atualmente também é graduanda de direito, hoje, a maioria dos postos de trabalho ocupados por pessoas com deficiência são provenientes da exigência feita por lei, mas que, em sua opinião, isso já representa um grande avanço. Cris acredita que a legislação tem uma obrigação muito forte de modificar uma cultura de preconceitos vigente, abrindo caminhos e facilitando uma maior igualdade na sociedade moderna.

Um longo caminho à frente 

Entre histórias engraçadas e percepções de futuro, Cristiely comenta que ainda há um longo caminho para chegar na acessibilidade, principalmente dentro dos veículos digitais, nos quais perdura a falta de ferramentas que democratizem o acesso ao conteúdo para todos, como descrição de imagens e texto oculto, legendas em vídeos, falta de leitores de tela apropriados nos sites, dentre tantas outras limitações. Mas que o futuro é promissor, e com o aumento da tecnologia, novas ferramentas surgirão, fazendo com que as pessoas deem mais visibilidade para a comunidade formada por PCD. 

Um grande passo para essa mudança está dentro dos próprios centros de ensino. Como ter uma comunicação acessível e inclusiva, se nem dentro da própria universidade esse é um tema pautado? Se mesmo a língua brasileira de sinais sendo considerada a segunda língua oficial do país, o seu ensino é dado como optativo? Se vagas na universidade e postos de trabalho são oferecidos para pessoas PCD por obrigação, sem prestar assistência adequada? Cris teve um caminho difícil, mas diversas portas se abriram durante a sua trajetória que a fizeram chegar em um lugar onde a sua voz é ouvida, mas e aqueles que não tem meios de serem escutados, como sobrevivem em um mundo que não tem interesse em acessibilidade? 

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Descrição da imagem: dedos finos de uma pessoa branca deslizam sobre uma folha branca com escritos em braille

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Leitura do texto - Capítulo 1
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